segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

À LUZ DO PETRÓLEO

Sentada no meu lugar de eleição, lia Saramago.
A noite caminhava vagarosamente, rumo à madrugada. A lenha colocada na lareira era lambida por grandes e quentes línguas amarelo-laranja que a consumiam e transformavam em pó cor de chumbo mas onde, aqui e ali, uma pequena brasa ainda viva brilhava como olhos de gato no escuro.
A minha vista já cansada da leitura, ficava por vezes presa àquela dança das labaredas. De repente, tudo ficou nas trevas. O fogo que ainda crepitava era, naquele momento, a única iluminação na sala.

Sempre que a chuva cai com mais intensidade ou a humidade invade até os recantos mais secos da nossa existência, a luz eléctrica falta aqui, em nossas casas.

Completamente às escuras, só com a iluminação proporcionada pelo aconchego da lenha a arder, fiquei quieta gozando o prazer do escuro.

Lembrei-me, então, do viver das gentes anteriores à minha geração em que a iluminação provinha dos candeeiros a petróleo de que ainda conservo alguns exemplares.
À luz dessa luz, se bordaram lençóis, toalhas de mesa, toalhas de altar, teceram-se rendas, confeccionaram-se enxovais. Com essa luz, ouvi fábulas e contos de encantar onde a magia das fadas me fazia sonhar com os príncipes encantados sempre prontos a salvar as suas princesas sendo eu, uma delas, claro.

Com os candeeiros a petróleo nunca faltava a luz para os serões.

Hoje, era de tantas invenções, em que posso ler um livro tal como escrevo este texto, isto é, sem papel, utilisando só a magia dos meus dedos acariciando as teclas letradas do teclado deste instrumento que me dá a possibilidade de comunicar com o mundo inteiro, de repente falta electricidade e fico às escuras.
Não consigo ler nem escrever e vejo-me obrigada a socorrer-me do velhinho candeeiro a petróleo que já se encontrava arrumado na despensa das antiguidades, revivendo, assim, o antigamente dos meus avós.

5 comentários:

Jorge Vieira Cardoso disse...

belo texto onde a luz se vê no poetroleo e nas frases consumidas em chamas que nos aquecem a alma...

beijo terno..

Maré Viva disse...

Cada dia me surpreendo mais com o seu talento para as letras. Deste texto fica-nos uma sensação gostosa, doces lembranças nos perpassam pelos olhos e nos fazem recuar no tempo.
Atrevo-me a perguntar: para quando o "nosso" livro?
Beijinhos.

Graça Pires disse...

Lembrar os tempos idos, em que as coisas não ficavam por fazer apesar de não haver o conforto de agora. Texto lindíssimo. Um beijo.

Vivian disse...

...emocionou-me
porque suas palavras
me reportaram a um tempo
em que havia simplicidade
no viver.

cheiro de café quentinho,
bolo de fubá da vovó,
cantos de passarinhos,
crianças nas goiabeiras,
e muita felicidade...

velhos tempos,
velhos dias.

bjusssssssss, poetisa!

Elvira Carvalho disse...

Excelente texto. Também sou do tempo dos candeeiros a petróleo.
Lembra-se dos teimosos? Um candeeiro bojudo, que se o deitávamos, ele logo se endireitava sozinho?
Um abraço e bom fim de semana